terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

OS FILÓSOFOS: PITÁGORAS



OS FILÓSOFOS


Há dois milênios e meio o mundo era um lugar atribulado. Mercadores negociavam por toda a Ásia até o Mediterrâneo e em direção ao Ocidente, direto para a costa da Grã Bretanha. Algumas pessoas nunca saíram da vila onde nasceram; para os que gostavam de viajar, entretanto, as oportunidades eram inúmeras, e junto com as caravanas e os navios de comércio iam também as ideias, movendo-se através das culturas com liberdade estonteante. E foi assim que a tradição dos Mistérios Ocidentais absorveu sabedoria das culturas orientais, transmitida pelos antigos filósofos gregos.




"O caminho para cima é o caminho para baixo"
(Heráclito)




Pitágoras e Seu Povo
O conhecimento dos Mistérios encontrou-se com a Filosofia por meio do trabalho de vários dos mais influentes pensadores da Antiguidade, homens que, pela primeira vez no mundo ocidental, se perguntavam sobre a natureza física do cosmos e a natureza espiritual da alma. Seu trabalho marca o início não só das ciências físicas, como a Biologia, a Física e a Astronomia, como também do estudo da mente e dos processos de pensamento. Eles faziam uso da razão e da lógica para chegar a conclusões, e também se baseavam no conhecimento diretamente intuitivo dos Mistérios: não havia divisão entre esses dois modos de pensamento. Um dos primeiros desses pensadores, Pitágoras, forjou a palavra "filósofo", que significa "aquele que ama a sabedoria".

Aqui precisamos esquecer o sentido moderno de filosofia. No mundo antigo, a palavra possuía um sentido muito mais vasto do que tem hoje em dia, pois se considerava que a sabedoria poderia ser obtida a partir de várias disciplinas esotéricas. Pitágoras e seus colegas filósofos não eram apenas pensadores, mas curadores, magos e xamãs. Eles viviam com base em crenças espirituais, como eremitas ou cercados de devotos, e eram temidos e respeitados. Mesmo Sócrates, que normalmente é apresentado como alguém conduzido pela razão, obedecia ao poder de um espírito guia e, em momentos críticos da vida, encontrou sentido nos Mistérios. A Grécia antiga era um lugar bem mais mágico do que se poderia suspeitar.

Tudo começa com Pitágoras, o primeiro dos gurus históricos ocidentais. Embora pareçamos saber bastante a seu respeito, grande parte do material é lendário, o que não deixa de ser significativo. Ele nasceu na Ilha de Samos, perto do que é hoje se conhece como costa da Turquia, por volta de 580-570 a.C.. Conta-se que fez seus estudos em templos egípcios, e que também visitou os templos de Tiro e Biblos, a mais antiga cidade habitada do mundo. Portanto sua sabedoria era baseada nas mais antigas fontes disponíveis. Pitágoras emigrou para Crotona, ao sul da Itália, onde juntou em torno de si um grupo de seguidores devotados à sabedoria oculta que ele havia aprendido. Os pitagóricos parecem ter sido bastante similares aos órficos; tão similares, na verdade, que escreviam poemas que eles mesmos atribuíam a Orfeu.

Pitágoras e seus discípulos pareciam inspirar, inicialmente, considerável respeito. Os cidadãos de Crotona respondiam bem às sugestões de Pitágoras de que deveriam ter uma vida mais moral, mas esse feliz estado de coisas não durou muito. No fim das contas, armou-se uma trama para Pitágoras e ele teve de fugir para Metaponto, onde morreu já bem idoso. Segundo a lenda ele foi morto por um raio, o que, para os gregos antigos, era considerado uma morte sobrenatural. Mesmo durante a vida, alguns seguidores o consideravam uma encarnação do deus Apolo. Ele era, aparentemente, muito bonito, e sua pele reluzia com brilho dourado; diz-se exatamente o mesmo de Buda.

Assim como faziam voto de silêncio os iniciados dos Mistérios Órficos e de Elêusis, os pitagóricos também cercavam de segredo suas crenças e práticas. Sabemos, entretanto, algumas coisas de seu modo de vida. Talvez o aspecto mais espantoso da sociedade pitagórica fosse o fato de as mulheres serem tratadas em pé de igualdade aos homens; atitude diametralmente oposta à prática predominantemente na Grécia, em que as mulheres não passavam de cidadãs de segunda classe. Conta-se que a própria esposa de Pitágoras, Theano, escreveu de forma vasta sobre a matemática e outros assuntos.

A amizade era tão valorizada que existem histórias sobre pitagóricos que ofereceram a própria vida em troca daquela de seus seguidores. Os pitagóricos eram capazes de se reconhecer e, portanto, ajudar uns aos outros utilizando o pentagrama como sinal secreto. Eles cultuavam e comiam juntos, e ao que parece tinham propriedades em comum. Não comiam carne: a dieta sem carne foi conhecida como "pitagórica" até que a palavra "vegetariano" passou a ser usada no século XIX. Fazia-se uso considerável da música para curas e rituais. À noite, cada pitagórico meditava sobre os eventos do dia e examinava sua consciência, jurando reparar quaisquer faltas ou deveres não cumpridos. A regra geral era seguir um caminho intermediário entre todas as coisas, evitando tanto os excessos quanto o ascetismo. Conta-se que eles se atinham à verdade em todas as situações, ensino que Pitágoras trouxera da Babilônia. Esse modo de vida parece ter sido um método de levar os votos órficos de moralidade um passo adiante, intensificando sua aplicação ao viverem em um grupo separado da sociedade mundana, assim como no caso de um monastério ou de um convento.




Unindo-se ao Círculo Pitagórico
Como era juntar-se aos pitagóricos? Primeiro o aspirante fazia voto de silêncio, o echemythia, válido por três anos. Então, tornava-se membro de um círculo externo de pitagóricos, os ouvintes, ou akousmatikoi. Nesse estágio introdutório, ele recebia ensinamentos básicos de moralidade e uma série de versos enigmáticos e motes sobre os quais deveriam meditar. Entre estes havia a famosa ordem de não comer feijões, à qual foram dadas várias interpretações. Algumas acreditavam que, uma vez que os votos eram contados utilizando-se grãos de feijão, isso era uma referência à abstenção da política partidária. Outra interpretação, talvez mais provável, é que alguns alimentos fossem proibidos por motivos de purificação prévia à realização dos rituais, de forma que a pessoa pudesse ter sonhos proféticos. A prática de se abster de determinados alimentos, como cebola e alho, antes de receber as iniciações ainda ocorre em algumas tradições do Oriente.

Os akousmatikoi eram livres para sair da ordem caso decidissem, e essa talvez seja uma das razões pelas quais o ensinamento que recebiam era transmitido de forma obscura, fazendo pouco sentido para as pessoas de fora. Por exemplo, a frase pitagórica "Quando os ventos soprarem venere o som" é explicada pelo filósofo Neoplatônico Porfírio (305-233 a.C.) como uma exortação à veneração do espírito divino. Se o neófito permanecesse dentro da ordem, poderia prosseguir ao próximo nível, o dos mathematikoi. Nesse ponto, o próprio Pitágoras transmitiria os ensinamentos, desdobrando o sentido da matemática.

E o que Pitágoras ensinava? Ele é, assim como Orfeu, associado à música, baseava no estudo da matemática. Ambos os assuntos são imbuídos de sentidos místicos. De acordo com Pitágoras, a vida teria se originado de rurhmos, ritmo os harmonia. O que subjaz ao universo é um vazio infinito, ou apeiron. Esse vazio misteriosamente penetra o mundo da forma, ou peiron, e ambos se combinam e recombinam em várias proporções para criar as formas de vida. Esse processo é chamado "harmonia", e não é aleatório, pois elementos de existência dissimilar precisam ser unidos em proporção harmoniosa para existirem de forma bem sucedida, ou simplesmente não existirão. O exemplo supremo de harmonia é a precisão perfeita com que as estrelas e planetas se movem nos céus; é a "harmonia das esferas", que Pitágoras alegava ser capaz de escultar.

Todas as formas de vida estão, portanto, conectadas em um estado constante de evolução ou involução a formas mais complexas ou mais simples. o ditado pitagórico que diz "As coisas são número, é a harmonia que as une" expressa esse ensinamento básico. O universo é um todo complexo, uma harmonia vivente na qual o número não é apenas símbolo de quantidade, mas produz verdadeiros organismos vivos por meio da combinação de elementos. A realidade absoluta pode, portanto, ser expressa em termos matemáticos.

Não é possível estudar Pitágoras sem mencionar o famoso teorema dele sobre triângulos retângulos. Nesse contexto, é significativo que o teorema fosse conhecido na Babilônia e na Índia séculos antes de ganhar o nome de Pitágoras, o que aconteceu alguns séculos após sua morte. embora não seja possível saber onde ou quando ele teve contato com o teorema, esse conhecimento certamente atesta sua compreensão da matemática e pode apoiar a tradição segundo a qual ele obteve aprendizado místico na Ásia.

o simbolismo numérico de Pitágorasn incluía alguns diagramas aparentemente simples. o primeiro é a Mônada, um círculo com um ponto no meio. simbolizava o princípio divino uno a partir do qual flui toda a criação. A forma pela qual a criação se desdobra é representada pelo Quaternário, um triângulo equilátero em cujo interior está um ponto no vórtice superior, dois pontos abaixo deste, depois três pontos e, finalmente, quatro pontos. O ponto único da Mônada divide-se em dois, representando uma superfície unidimensional (uma reta ligando dois pontos). Segue-se a isso uma linha de três pontos representando duas dimensões (um imaginário entre três pontos). Por fim, os quatro pontos simbolizam uma figura tridimensional de quatro lados, ou tetraedro. Essa progressão sugere o processo da criação expresso em termos matemáticos. Diz-se que os primeiros quatro números representam a música das esferas, e as razões são as escalas dos intervalos musicais básicos: 1:2 é a oitava, 2:3 é a quinta perfeita e 3:4 é a quarta perfeita. O número de pontos no diagrama é dez, número que representa a completude, uma vez que todos os números acima de dez são combinações dos primeiros nove números.

Há outros modos de interpretar o Quaternário. Na medida em que ele mostra a progressão da vida, da unidade divina até a criação múltipla, contém também a chave do retorno ao Dvino. Os Pitagóricos não fundaram uma ordem simplesmente para praticar um estilo de vida ético: se assim fosse, não haveria necessidade de manter segredo. Eles eram uma ordem religiosa, e tinham como objetivo viver uma vida que expressasse a divindade interior. O Quartenário era talvez seu símbolo mais sagrado, e o julgamento solene era: "Juro por aquele que transmitiu à nossa alma o Quartenário, a raiz perene da fonte da natureza".

A expressão "raiz perene da natureza" nos dá uma indicação do caráter da missão religiosa dos pitagóricos. Eles acreditavam que a vida passava de forma a forma em um constante processo de transmigração. O próprio Ferécides, professor de Pitágoras, era considerado o primeiro a falar da imortalidade da alma e da reencarnação por meio de diferentes formas de vida. De acordo com sua doutrina, a alma nunca morre, mas, vida após vida, toma várias formas assim como a cera toma a forma de qualquer de qualquer selo que nela for impresso. Não é de se espantar, portanto, que os pitagóricos praticassem o vegetarianismo, pois os animais poderiam estar abrigando almas que outrora haviam sido seres humanos. Conta-se que o próprio Pitágoras fora capaz de lembrar-se de suas vidas anteriores e que era capaz de reconhecer, no latido de um cachorro, a alma torturada que outrora fora um ser humano. Um ditado pitagórico era "Tudo muda, mas nunca deixa de existir".

A força propulsora por trás desse fluxo constante de vida é simplesmente a necessidade de causa e efeito. E é nesse ponto que entra a parte ética do estilo de vida pitagórico. Assim como os órficos, os pitagóricos sentiam que a alma deveria ser purificada. Uma pessoa comum sofreria os efeitos das más ações reencarnando num corpo inferior, ao passo que um pitagórico purificado mereceria uma boa reencarnação. Mas esse não era o propósito final: nenhum pitagórico deseja ser enclausurado em uma série infindável de renascimentos: o objetivo era reascender misticamente o Quaternário até chegar à Mônada, onde se alcançaria a união com Deus. Já que toda vida havia surgido da Mônada, ela retinha parte das qualidades divinas e poderia, portanto, reunir-se à fonte. Este é, com efeito, o mesmo raciocínio embutido no mito Órfico sobre a morte de Dionísio. Tal profunda crença ou ou percepção religiosa iria depois reverberar através das eras em vários formatos de misticismo, desde o Gnosticismo até a ordem mágica da Aurora Dourada.




Os Ensinos Pitagóricos
Não é possível saber quais eram as práticas internas do matematikoi, pois eram mantidas estritamente em segredo. porém, somos capazes de especular ser provável que as iniciações e ensinamentos transmitidos aos akousmatikoi serviam de purificação, permitindo-lhes receber ensinamentos mais profundos e meditativos. Sabemos que os pitagóricos possuíam a reputação de serem sábios, e já que os pitagóricos eram as únicas pessoas a tratar as mulheres como iguais, Platão provavelmente se referia a eles ao mencionar os "homens e mulheres sábios".

A música pode ter tido papel essencial nas iniciações e práticas secretas. Pitágoras ensinava que o universo desenvolvera-se e era mantido coeso por causa da harmonia. Conta-se que ele descobriu a escala musical ao pendurar babantes em uma parede, amarrando pesos a eles em intervalos específicos, e depois os dedilhar. Dessa forma, ele descobriu que a harmonia é matemáticamente determinada, verdade que também é expressa no Quartenário. Embora esse relato seja provavelmente apócrifo, sem dúvida sugere o ensinamento que Pitágoras desenvolveu a partir de sua investigação da matemática musical. Assim como Orfeu, supõe-se que ele foi capaz de acalmar tanto seres humanos como animais ao tocar sua lira. É certo que os pitagóricos usavam a música para harmonizar a si mesmos com os acordes e ritmos universais, acalmando as paixões e inspirando-os em sua empreitada espiritual. A dança pode também ter sido usada da mesma forma, assim como a dança rodopiante Sufi.

Ferécides, professor de Pitágoras, era um astrólogo conhecido por escrever bastante sobre o assunto, e é provável que tenha sido ele a transmitir tais conhecimentos a Pitágoras. Como veremos pouco à frente, Platão que em muito se baseou nos ensinamentos pitagóricos, utilizava a Astrologia em sua descrição da criação do universo. Podemos especular que Pitágoras também ensinou seus discípulos a utilizar a Astrologia para se harmonizarem com o cosmos, para "se deixarem levar", como diz a frase mais moderna. O encantador mundo dos pitagóricos era construído sobre harmonia, canções inspiradoras, amizade e igualdade. Embora tivessem aprendido muito com a sabedoria órfica, não parecia haver mitos com mortes e desmembramento envolvidos. Isso não significa que as iniciações não incluíssem elementos assustadores como aqueles de ambos os Mistérios órficos e eleusinos. De fato, parece que as iniciações pitagóricas envolviam a entrada em uma caverna escura, seguidas de dramáticas exposições a luz e som. Em outras palavras, exigia-se que o iniciado passasse pela experiência da morte para renascer, assim como nas primeiras iniciações. A diferença: ele faria parte de uma ordem que oferecia apoio físico e emocional, mas também ensinamentos regulares e graduais. Os pitagóricos foram a primeira comunidade religiosa desse tipo no mundo ocidental, o protótipo de todas as comunidades montadas para os que desejam verdadeiramente devotar-se à vida espiritual.

Essas pessoas pacíficas tiveram impacto inestimável no desenvolvimento da espiritualidade ocidental. É só olhar em volta para perceber traços de sua presença nos lugares mais surpreendentes. Por exemplo: a insígnia heráldica no brasão de um arcebispo incluía um chapéu verde ornado com dois conjuntos de sinetas, cada um formando um Quaternário. É comum ver chapéus sobre os túmulos de arcebispos. Não se sabe se os arcebispos cristãos de nossa época conhecem tal simbolismo, mas, como veremos em um capítulo mais à frente, houve períodos na história em que homens da Igreja vasculhavam com entusiasmo o passado místico pagão para enriquecer seu desenvolvimento espiritual.


sábado, 6 de fevereiro de 2016

RITOS DE INICIAÇÃO PRATICADOS NA GRÉCIA ANTIGA



SABEDORIA OCULTA: SOCIEDADES OCULTISTAS E CONHECIMENTOS ARCANOS ATRAVÉS DOS SÉCULOS
Ruth Clydesdale (Editora Madras, 2011)



Ruth Clydesdale é mestre em estudos de ciências astrológicas. Proferiu palestras e publicou artigos em periódicos, tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos, sobre aspectos da arte, da religião e da filosofia. Além de dar aulas sobre suas especialidades, também já conduziu visitas guiadas pela National Gallery, em Londres, ressaltando a simbologia cósmica da arte renascentista.

Nesta obra, ela explica que o sentido da palavra "mistério" na atualidade é muito diverso daquele interpretado por nossos ancestrais. Hoje, mistério é considerado um quebra cabeça a ser resolvido, algo que procuramos adivinhar até que consigamos "matar a charada", enquanto, na Antiguidade, era algo com significado muito mais profundo, relacionado ao místico: era uma iniciação nos conhecimentos de outros mundos e de diferentes dimensões. E a pessoa mudava pelo resto de sua vida.

Essa antiga sabedoria revela a verdadeira natureza do que significa ser humano. É um conhecimento que não pode ser contado, apenas vivenciado. Aqueles que participaram dos Mistérios gregos tinham de fazer um juramento de silêncio e, desde então, seu conhecimento ainda permanece oculto à humanidade. Mesmo assim, através das eras, um bom número de indivíduos recriou de várias formas a experiência do Mistério, de modo que hoje somos capazes de descrevê-lo.

Por meio desta leitura, você será levado a diferentes culturas dos últimos dois milênios e meio. A obra fornece diversos pontos de vista pelos quais é possível encarar os Mistérios e a Sabedoria Oculta da Antiguidade.

Através do curso de História, poucos buscaram adquirir um conhecimento profundo dos outros mundos e de diferentes dimensões. Sabedoria Oculta explora, de forma estimulante, as ideias dos iniciados nesse reino mágico de conhecimentos ocultos. Traça o desenvolvimento da tradição ocidental dos mistérios no decorrer dos séculos até a nossa época, explicando a corrente secreta de conhecimento que deu forma à nossa civilização e continua a influenciar nossa cultura de diversos modos.

Nessa jornada pelo mundo arcano, você irá se deparar com os seguintes temas: o propósito da humanidade como foi revelado pelos filósofos gregos; as sofisticadas técnicas persas de alquimia, astrologia e magia; o papel do místico-erudito Marsilio Ficino nos primórdios da Renascença; a forma como a "magia erudita" informou as percepções de cientistas famosos e inventores, incluindo Pitágoras, Paracelso, Galileu, Copérnico e Newton; a expressão dos Mistérios por meio da arte e da literatura, de Shakespeare a Dante, por meio de Milton e Lake até Yates e Kandinsky; a verdadeira inspiração de sociedades ocultas como a Maçonaria, a Rosa-Cruz e a Teosofia.

Esta é uma leitura que lhe permitirá se tornar parte da corrente dourada formada por aqueles que penetraram os segredos da vida.


Eu lhes dou a ponta de um fio dourado

Apenas enrolem-no até virar um novelo

Isso os conduzirá aos portões do Céu

No muro de Jerusalém.
William Blake (Aos Cristãos)



Conhecimento, compreensão e sabedoria são como rios que correm pelo curso da história humana. Às vezes eles fluem por cima do solo; às vezes, sob a superfície, em quietude, como se houvessem se perdido. Mas cedo ou tarde a verdadeira sabedoria ressurge, em outro país, em uma época diferente.

A corrente de conhecimento tratada aqui foi sacralizada nos cultos da Grécia Antiga aos Mistérios. O "Mistério" está relacionado ao "místico". Participar de um dos mistérios fazia do indivíduo um místico: era uma iniciação nos conhecimentos de outros mundos e de diferentes dimensões. E o mudava pelo resto da vida.

Explorar o curso dos conhecimentos secretos é uma experiência extasiante, e pode ser que ao fazê-lo você se aproxime de vivenciá-los pessoalmente. Este livro o levará a diferentes culturas dos últimos dois milênios e meio. Embora ele não possa prover uma lista completa dos místicos que preservaram a sabedoria oculta, fornecerá diversos pontos de vista pelos quais é possível encarar os Mistérios, e talvez você perceba que se tornou um elo na Corrente Dourada daqueles que penetraram o segredo.




OS MISTÉRIOS
Nossa história começa com uma canção. De certa forma, é a canção mais famosa de todos os tempos e que ainda hoje ecoa em nossas vidas. Ela é tocada por Orfeu, o arquétipo do músico e poeta, sentado em meio a uma paisagem selvagem ao norte da Grécia, acompanhado de uma lira. A música é tão linda que atrai até os animais, amontoados em volta para ouvir. Nos momentos de maior inspiração, Orfeu consegue cantar de forma tão poderosa que mesmo as pedras se esforçam para rolar até ele. Mas Orfeu é mais do que apenas um músico, ele é um xamã, um sacerdote e o desbravador de novas formas de conferir sentido à vida.




Sou filho da Terra e do Céu estrelado.
(Tabuleta de Ouro Órfica)


A Vida de Orfeu
Orfeu não é uma figura histórica, e sim mítica. Dizem que viveu e morreu no tempo dos Heróis da Grécia. Mesmo para os gregos da época de Sócrates, por volta de cinco séculos antes de Cristo, ele já era um personagem antigo e venerado, relacionado a tipos famosos como Hércules e Jasão, o Argonauta. A primeira menção histórica a Orfeu de que se tem notícia é a do poeta grego Íbico, que viveu durante o século VI a.C.. Ele cita o "famoso Orfeu", o que mostra que naquela época este provavelmente já era bem conhecido.

Os eventos e os padrões da vida mítica de Orfeu compõem uma fábula com ensinamentos que nos permitem depreender a razão pela qual o personagem ainda hoje é familiar. Há diversos relatos sobre quem teriam sido seus pais. O mais comum afirma que seu pai foi Oiagros, rei da Trácia, e Calíope, musa da poesia épica. Em outras versões do mito, Oiagros é um deus dos rios, ou Apolo aparece como pai de Orfeu, fazendo deste um ser totalmente divino, em vez de semi-humano. Seja qual for a versão escolhida do mito, sua herança incluía a habilidade poética, e Apolo reconheceu a aptidão musical de Orfeu presenteando-o com uma lira de ouro.

Os eventos mais famosos da vida de Orfeu são dois. Do primeiro conta-se que ele viajou com a tripulação de Jasão no navio Argo, na expedição para roubar o Velocino de Ouro do templo em Cólquida. Durante a jornada, o navio passou pela Ilha das Sereias, mulheres com aparência de pássaro que cantavam com encanto tão irresistível que os marinheiros tentavam chegar o mais perto o mais perto que podiam para ouvi-las, até que seus navios estraçalhavam-se contra as rochas costeiras. Em resposta, Orfeu cantou uma canção mais bela do que a das sereias, persuadindo os marinheiros a ouvir apenas ele, e passaram com segurança pelo apelo mortal que conduzia às rochas.

O poder do encantamento da canção de Orfeu sugere um feitiço para além dos efeitos comuns da música. Ele era considerado um exímio conhecedor de todas as artes mágicas; foi, na verdade, um dos primeiros magos.




Jornada ao Submundo
A segunda história sobre Orfeu é a mais famosa: sua tentativa de resgatar a esposa Eurídice do Submundo. Enquanto fugia das investidas de um dos filhos de Apolo, ou segundo outra versão, enquanto dançava na festa de seu casamento, Eurídice foi mordida por cobra venenosa e morreu. Orfeu ficou arrasado, e compôs lamentações e réquiens tão dilacerantes que os próprios deuses o aconselharam a descer ao Submundo e pedir a seus dirigentes, Hades e Perséfone, que ressuscitassem Eurídice. Único entre os homens que entrou na terra dos mortos ainda em vida e de lá retornou. Hades e Perséfone ficaram tão comovidos com suas músicas que concordaram em atender ao pedido, estipulando apenas que ele não deveria olhar para trás enquanto Eurídice o seguia até a superfície, de volta à luz do dia.

Não sabemos se Orfeu se esqueceu desse comando, ou se não pôde resistir à tentação de olhar para trás para ver se de fato a esposa o seguia. Seja como for, ela retornou ao Submundo para ali ficar com outras sombras dos mortos. Entretanto, existem algumas antigas versões do mito em que ele sai bem-sucedido na missão, tornando-se a primeira pessoa a trazer um ser humano de volta dos mortos.

A história mais conhecida relata que, a partir do momento em que perde Eurídice, Orfeu, sentindo-se culpado e desolado, vira suas costas às mulheres e passa a devotar-se à beleza de rapazes. Com isso ele enraivece as mênades da Trácia, seguidoras do deus do vinho Dionísio; elas o atacam durante um episódio de devoção frenética. Quando as pedras que jogam contra ele se recusam a atingir o alvo, elas se atiram sobre ele e lhe arrancam todos os membros com as mãos. Em outras versões, as mênades se enfurecem como fato de Orfeu não mais venerar Dionísio, adorando, em vez disso, o Sol. Ele adquirira o hábito de vestir-se com roupas do branco mais puro e venerar Apolo, o deus solar, todas as manhas sobre o Monte Pangeu. Foi ali que as mênades o encontraram e o fizeram em pedaços.

Mas a terrível morte não foi o fim de Orfeu: afinal ele era, ao menos em parte, divino. Sua cabeça cantante e sua lira caem no Rio Hébron e são levadas pela correnteza até o Mediterrâneo, onde vão parar em uma praia na Ilha de Lesbos. Ali, são colocadas em um relicário, de onde a cabeça de Orfeu pronunciava previsões oraculares e profecias até ser, por fim, silenciado por Apolo. Enquanto isso, suas mães e tias, as musas, reúnem os outros pedaços do corpo e os enterram na parte mais baixa do Monte Olimpo. Conta-se que, tanto no relicário quanto no túmulo, rouxinóis cantavam com doçura especial. E a Ilha de Lesbos tornou-se conhecida por seus poetas, incluindo, é claro, Safo, autora dos primeiros poemas de amor conhecidos. Por fim, a lira de Orfeu foi posta nos céus, onde forma a constelação de Lira.

Os elementos dessa história podem ser encontrados em mitos tanto antigos quanto recentes, indicando que ele possui algo arquetípico e universal. Por exemplo: o antigo mito de Osíris relata-nos esse Orfeu sendo desmembrado por seu inimigo Set, e Ísis, sua esposa e irmã, reúne seus pedaços e revivifica seu corpo a ponto de poderem gerar um filho, Hórus. Outra lenda conta que as mênades também fizeram em pedaços outro ser humano: Penteu, rei de Tebas. A ideia do semideus que sofre que sofre uma morte cruel e depois retorna para afirmar sua vida duradoura nos é familiar por meio da figura de Cristo. Portanto, estamos diante de uma figura arquetípica, alguém que, graças a suas músicas, é capaz de mover a matéria inerte e possui poder sobre a própria morte.




O Nascimento do Mundo
Assim que descobrimos o tema da canção de Orfeu, podemos perceber porque se atribuía a ele tão grandes poderes. Pouca coisa chegou até nós, mas vários filósofos e historiadores dos primeiros séculos de nossa era citam em suas obras trechos da canção de Orfeu. O tema é o nascimento do mundo, a própria criação. É uma história estranha. O mundo começa (como no Gênesis) em escuridão e caos. Cronos, ou Tempo, forma um ovo a partir do misterioso quinto elemento, o éter. Quando a casca do ovo se parte, o deus que dele emerge é de uma beleza estonteante: é Fanes (luz), Protogonos (o primogênito) ou Eros, o próprio Amor. De Fanes nasceu todos os deuses do Olimpo que nos são familiares: Zeus, Afrodite e assim por diante. Mas Zeus pergunta à noite como superar Cronos, e a resposta é que, para isso, ele deve engolir o universo. Espantosamente, é isso que Zeus faz; no processo, se torna tudo. E assim canta Orfeu:




Zeus é o primeiro.

Zeus, senhor dos trovões, é o último.

Zeus é a cabeça.

Zeus é o meio, e por meio de Zeus todas as coisas foram feitas.

Zeus é masculino, Zeus imortal é feminino.

Zeus é a fundação da terra e do céu estrelado.

Zeus é o sopro em todas as coisas.

Zeus é o crepitar do fogo inextinguível.

Zeus é a raiz do mar: Ele é o Sol e a Lua.

Zeus é o réu: Ele criou a vida universal.

Admira sua cabeça e seu belo rosto.

É o paraíso resplandecente, em torno do qual flutuam lindamente

Seus cachos dourados de estrelas reluzentes.


O significado dessa canção pode não ser claro à primeira vista, mas é enorme. Aqui Orfeu reconta uma das sagas sobre a criação e sobre um deus universal que permeia todos os seres, concedendo ao mundo e a tudo que nele existe um caráter sagrado. Essa ideia diferia profundamente da religião grega, que incluía vários deuses e foi inicialmente pensada para agir como força de coesão social. Orfeu, entretanto, traz revelações individuais da verdade, a serem descobertas de forma secreta por meio de iniciações e ritos.

Esses ritos estão relacionados a outro mito, central à religião Órfica: a morte do deus do vinho Dionísio. Conta a lenda que Dionísio era filho de Zeus e de Perséfone, a deusa do Submundo. Hera, a esposa ciumenta de Zeus, incita os Titãs (divindades antiqüíssimas da Terra) a matarem a criança. Eles se disfarçam passando argila branca no rosto e, enquanto a criança Dionísio está entretida com seus brinquedos, cercam o menino e o estraçalham. Não satisfeitos com essa horrenda crueldade, eles cozinham e assam as partes do corpo. Assim que se sentam para devorar a revoltante refeição, o cheiro de carne assada chama a atenção de Zeus. Com seus raios, ele atira de volta ao Tártaro (abismo inferior ao Submundo) e salva o coração de Dionísio. O vapor que emerge das queimaduras dos Titãs formam cinzas, às quais Zeus mistura barro para moldar os primeiros humanos. Desde então, cada ser humano tem uma natureza híbrida, em parte primitiva e Titânica, em parte divina e Dionísica (porque os Titãs haviam conseguido ingerir parte da carne da criança).

Pela primeira vez na religião grega, a ideia de uma fagulha divina na humanidade indicava que a vida (a verdadeira vida) residia não no corpo, mas no espírito. Para aqueles que compreendem esse fato, os prazeres sensuais passam a perder seu encanto. O corpo é visto como a prisão da alma; há um ditado órfico que diz: soma sema, "o corpo é um túmulo". Seguidores da religião Órfica acreditavam que a vida na Terra era uma punição por aquela parte titânica em todo ser humano; para eles, a fagulha divina Dionisíaca em nós anseia por se unir novamente à fonte da divindade: o deus maior, Zeus.




Rituais Órficos
A religião Órfica enumerava vários meios de libertar essa fagulha. Primeiro, exigia-se uma iniciação, que poderia ter a forma de uma refeição ritualística imitando a morte de Dionísio. O formato da iniciação parece ter se baseado nos ritos de Creta, em que um boi era desmembrado e comido cru; os iniciados, então, desfilavam ruidosamente até saírem da cidade, tocando flautas e címbalos e portando objetos sagrados. A religião Órfica deve ter adaptado esse rito sangrento e violento, uma vez que os iniciados tornaram-se empenhados vegetarianos. Mas é certo que passavam por um ritual estranhamente paradoxal, em que eram lambuzados com argila branca ou gesso, imitando os Titãs, o ato era considerado purificador. De fato, a palavra grega apomattein significa tanto lambuzar quanto purificar. Isso identificava o iniciado de maneira vívida e imediata com os dois lados de seu ser: o dionisíaco sagrado e o titânico mundano.

Após a iniciação, o novo discípulo órfico entrava em um modo de vida austero e autodisciplinado, conhecido em todo o mundo clássico. Nunca mais comeria carne, pois os Órficos acreditavam na doutrina da reencarnação da alma imortal. Nem tirariam a vida de animais com o propósito do sacrifício. A matança de homens, incluindo o suicídio, era proibida, pois fazê-lo seria reduzir o período de punição na Terra ordenado pelos deuses. Os órficos vestiam-se de branco, simbolizando seu desejo pela pureza. Esse modo de vida religiosamente inspirado, com ênfase na responsabilidade individual, pode parecer normal para nós. Procedimentos parecidos podem ser observados em outras religiões, particularmente no contexto da vida monástica. O Orfismo foi a primeira religião ocidental a desenvolver-se assim, e a impor restrições ao laicismo. Ele influenciou profundamente vários movimentos religiosos e filosóficos, e ainda hoje o faz. Foi nesse momento que a religião e a espiritualidade, tais como as conhecemos tiveram início.




O Pós-Vida
A questão da vida após a morte era mais importante aos seguidores de Orfeu do que aos que seguiam a religião grega predominantemente. A visão comum da morte pode ser encontrada no poema épico de Homero, a Ilíada. Seus heróis guerreiros entram na batalha com coragem impressionante, pelo fato de acreditarem que toda luz e prazer seriam encontrados apenas durante o curto período de uma vida. Após a morte eles continuariam a existir, mas apenas de forma atenuada, com sombras fantasmagóricas em um tenebroso Submundo, capazes de guinchar e murmurar, mas desprovidos do poder humano da fala. Em contraste com essa perspectiva, a religião Órfica prometia um futuro brilhante. Uma vez que a alma reencarnava, a morte não era o estado final de sua existência. Entretanto, considerando que a vida no corpo era punição, vidas futuras deveriam ser evitadas, se possível. O ascetismo da vida órfica tinha como meta afrouxar os nós que prendiam ao corpo, movendo o foco de atenção para longe dos prazeres titânicos sensuais e em direção aos dons da alma dionisíaca.

Alguns escritores da Antiguidade diziam que bastavam três vidas vividas em pureza para escapar da roda da vida e da morte. Outros como Platão, eram menos otimistas, acreditando que seriam necessários três períodos de três mil anos. Mesmo assim, o historiador Plutarco e sua esposa Timoxena, ambos iniciados órficos do século I d.C., enxergavam na religião uma consolação em períodos turbulentos. A compreensão órfica do pós-vida marca mudanças profundas com relação ao antigo sistema de crenças grego, e tais mudanças eram capazes de afetar também a vida. A visão homérica do mundo espiritual encorajava os vivos a buscarem toda sorte de prazeres sensuais enquanto ainda fossem capazes de fazê-lo; mas Orfeu ensina aos humanos que o eu verdadeiro era uma fagulha divina e que deveriam concentrar-se em nutri-la por meio do bem viver. Pela primeira vez na história, um ser humano poderia comandar seu próprio destino. Apesar de serem apenas joguetes dos deuses, havia a crença de que os humanos ficariam na companhia dos seres divinos e imortais que existiam nos Campos Elíseos. Essa nova compreensão da verdadeira natureza da humanidade ressoou pelas religiões ocidentais desde então, embora sua tendência seja a de ocultar-se das massas e revelar-se apenas nas tradições místicas.

A promessa que animava os seguidores de Orfeu era a de escapar da infinita roda das reencarnações e ir em direção à eternidade nos paradisíacos Campos Elíseos, na companhia de deuses e deusas imortais. Temos diversas evidências em relação à natureza da vida órfica futura: uma grande variedade de delicadas tabuletas e plaquetas de ouro foi encontrada em escavações arqueológicas de túmulos na Grécia e no sul da Itália, entre outros lugares. Parecem datar do século IV a.C. a III a.C. e possuem inscrições que testemunham a jornada e as experiências pelas quais os órficos acreditavam passar após o momento da morte. O morto era parabenizado e encorajado: "Afortunado e abençoado, serás deus em vez de mortal". Então eram dadas instruções elaboradas sobre a rota a ser seguida nos Campos Elíseos ("Vá para a direita até onde for possível (...)") e as palavras corretas a serem ditas em certos trechos. O momento mais crítico emerge quando a alma encontra duas fontes, uma à esquerda da trilha, a outra à direita. A fonte da esquerda é Lete, o esquecimento. Se a alma beber sua água, perderá toda a consciência de seu passado e renascerá. Mas a fonte à direita é Mnomosine, a memória. Aqui a alma deve anunciar: "Sou filho da Terra e do Céu estrelado", e pedir aos guardiões permissão para beber. Então poderá prosseguir ao longo da "estrada da direita, passando pelos Campos e bosques sagrados de Perséfone".

Por esse meio a alma alcança seu objetivo de felicidade eterna, e cantará:




Eu fugi do círculo de sofrimento e exaustão

Eu passei, com pés velozes, em direção ao diadema almejado.
A alma é liberada, purificada até chegar a um estado de inocência em que ela se realiza por completo. As inscrições incluem uma imagem estranha, mas vívida, assegurando ao morto o êxtase futuro: "és uma criança que caiu em leite".




Purificação e Liberação
A lenda de Orfeu é uma estranha mistura do trágico com o otimista. Ele sofreu morte similar à do deus cujos ritos tornaram-se uma sofisticada filosofia religiosa; mesmo assim, Orfeu, cuja morte é parte integral de sua história, podia ressuscitar os mortos. Sua influência tem duas vertentes distintas. Por um lado, é venerado como um reformador da religião; em vez de iniciar novas doutrinas, modificou as formas existentes de culto a Dionísio. Mesmo o conceito de Elíseo como visto nas tabuletas de ouro órficas, já existe em Homero, embora em sua poesia tal conceito seja exclusivamente reservado a uns poucos privilegiados.

Este é o lado exotérico de Orfeu. Mas também existe um lado esotérico: embora saibamos algo das iniciações e modos de vida órficos, muito se perdeu porque os iniciados aderiram de forma estrita ao voto de silêncio. Tudo o que temos são afirmações obscuras como a de Pausínias, historiador grego do século I a.C.: "Aqueles que viram uma iniciação em Êleusis, ou leram os escritos denominados órficos, sabe do que estou falando". Ou Diodoro, um século mais tarde, que escreveu sobre "os poemas órficos e as coisas que foram introduzidas nos mistérios cujos detalhes não se deve contar aos não iniciados". É difícil para nós imaginar uma ideia tão poderosa a ponto de ser preservada em um segredo praticamente inviolado por séculos a fio; mas este é o caso das iniciações órficas.

E mesmo assim, o conhecimento contido no Orfismo persistiu ao longo da história sob vários formatos. Sobreviveu, por exemplo, mediante outra forma de esoterismo: a magia. É importante lembrar que Orfeu era um cantor capaz de enfeitiçar até as pedras. É obvio que sua música tinha um poder mágico e, ao longo do tempo, uma série de encantamentos, feitiços e inovações mágicas foram criados em seu nome. A própria música está tão inter-relacionada com a magia que a conexão é lingüística: "encantamento", significa, literalmente, magia feita por meio do canto. A raiz, da qual ambas as palavras derivam, é o latim cantare, que significa cantar, ou tocar. Portanto, Orfeu era visto como o primeiro mago, seu arquétipo. Existem ainda hoje 86 hinos órficos atribuído a ele (embora sejam, quase certamente, datados dos primeiros séculos da nossa era); esses hinos consistem de invocações elaboradas a uma variedade de deuses, alguns com propósitos específicos, outros para proteção geral. A maioria dos hinos é acompanhada de instruções quanto a erva ou o tempero correto a queimar como incenso. Os hinos ganharam tamanha reputação como poderosas ferramentas mágicas que, durante a Renascença, o filósofo e astrólogo Marsílio Ficino considerou-os perigosos demais para serem publicados. Assim, o conhecimento órfico continuou sendo algo oculto, disponível apenas de forma oral para um grupo seleto de homens cultos, que provavelmente se consideravam iniciados de algum tipo.

Orfeu representa, portanto, um conhecimento oculto da verdadeira natureza da humanidade, de seu potencial e de sua suprema felicidade. Em um nível exotérico, o mito da morte prematura de Dionísio pode representar o processo de fabricação do vinho. Dionísio é destruído assim como a uva, mas o pai, Zeus, engole seu coração e engravida a mortal Semele. Depois de matá-la com seus próprios relâmpagos, Zeus recolhe o bebê de seu ventre e o costura na própria coxa, mais tarde à luz um segundo Dionísio. Esse deus renascido torna-se então o selvagem deus do vinho, em nome do qual, ritos transgressores são realizados. Mas a compreensão órfica deste mito tem a ver com a intoxicação espiritual. Dionísio tem também outro nome: Liber, que significa aquele que traz a liberdade. Em um nível mundano, isso pode significar a desinibição trazida pelo vinho, mas a verdadeira libertação órfica é em relação ao sofrimento da vida em si.

Embora tracemos mais à frente o curso da sabedoria órfica pelas tradições ocidentais, devemos nos lembrar de que a "filosofia perene" é de natureza universal. Várias religiões e culturas expressam esse fato de diferentes formas, mas as semelhanças são visíveis. Segundo o mito, o próprio Orfeu obteve sua sabedoria estudando com os sacerdotes do Egito antigo, cuja religião possuía um viés fortemente ligado à natureza da vida e da morte. É possível também discernir conexões profundas com os preceitos do Budismo. Buda que viveu por volta do século V a.C., dispôs seus ensinamentos em Quatro Nobres Verdades: que a vida é sofrimento, que o sofrimento tem um começo e que também tem um fim. A quarta verdade descreve o Nobre Caminho Óctuplo que conduz ao fim do sofrimento. O Orfismo tem a mesma opinião em relação à natureza da vida, o fato de ela possuir tanto uma causa (em termos místicos, a morte de Dionísio) quanto um fim. A senda que os ascetas iniciados seguem parece menos elaborada que o Nobre Caminho Óctuplo do Budismo, embora talvez haja muitas coisas que não saibamos. Entretanto, ambos os caminhos têm o mesmo propósito, purificar o ser humano afastando-o dos prazeres sensoriais e melhorando sua conduta moral, de modo a fortalecer a vida espiritual.




Elêusis e a Deusa
Os mistérios órficos não eram os únicos ritos de iniciação praticados na Grécia antiga. Havia também os Mistérios eleusinos de Deméter e Perséfone, semelhante aos órficos, mas muito mais conhecidos e celebrados. Esses Mistérios ecoavam prática realizada particularmente no Tibet. De fato, os ritos eleusinos conduziam os participantes por meio de uma experiência de morte, enquanto os praticantes tibetanos meditavam sobre o "Livro Tibetano dos Mortos" e buscavam práticas que imitavam o processo de morte com o mesmo objetivo: preparar-se para a morte do corpo de modo a serem capazes de fazer as escolhas corretas no pós-vida.

De acordo com Sua Santidade o Dalai Lama, no instante da morte a consciência se torna bastante clara, tornando possível ficar bem mais perto da verdade da existência que durante a vida. Mas sem a preparação, essa clareza pode ser desperdiçada e a pessoa acabará reencarnando, ao contrário de libertar-se da roda de morte e renascimento. E mais: experimentar tal clareza de consciência durante a vida trará revelações sobre a verdadeira natureza da pessoa, percepções que serão fonte de êxtase libertador enquanto ela ainda vive. Esse tem sido um dos objetivos de filósofos e místicos por vários séculos, mas é em Elêusis que encontramos as primeiras evidências da prática dessa disciplina espiritual.

Já vimos que as tabuletas órficas de ouro mostravam a rota a ser seguida até o outro mundo, bem como as palavras a serem pronunciadas. De fato, os ritos órficos eram também capazes de encenar a morte de maneira dramática; entretanto, não temos provas se realmente o fizeram. Mas dos ritos de Elêusis sobrevivem indicações suficientes para dar uma ideia dos eventos dramáticos aos quais os participantes eram submetidos.

Embora os mistérios órficos e eleusinos tenham pontos em comum, existem também várias diferenças. Os ritos eleusinos baseiam-se concretamente em um lugar: Elêusis, perto de Atenas. Originalmente, eram exclusivos dos cidadãos atenienses; com o tempo, entretanto, foram incluídos gregos vindos de fora da cidade e até mesmo estrangeiros. Os ritos eram abertos à participação dos escravos e das mulheres, em uma época em que esse tipo de igualdade estava longe de ser regra; mesmo assim, o prestígio dessas iniciações era tal que até imperadores romanos clamavam para serem iniciados. Assim como no caso dos ritos órficos, estes ofereciam uma experiência religiosa individual bastante intensa, mas, ao contrário do Orfismo, não impunham obrigações morais. Entretanto, quem houvesse cometido assassinato ou outros crimes sangrentos não podia ser admitido sem antes passar por uma purificação. Os Mistérios eram celebrados anualmente, e durante esse período permitia-se que os exilados retornassem do exterior, e havia uma trégua para as guerras. Isso nos dá uma ideia de como os Mistérios eram importantes para os atenienses.

Assim como no caso dos ritos órficos, era exigido que os participantes mantivessem segredo estrito. Talvez porque houvesse tantos iniciados, mais evidências chegaram até nós do que com relação aos ritos órficos; isso, entretanto, não muda o fato de que o nível de discrição mantido era impressionante. As cerimônias eram consideradas tão preciosas que sobreviveram a uma tentativa de extinção no século V, e parecem ter sobrevivido de, aproximadamente, 600 a.C. ao século XVIII d.C. ou mais tarde.




O Hino a Deméter
Os Mistérios eleusinos baseiam-se em um mito que talvez seja mais familiar do que aquele da morte de Dionísio, e também parece ter como foco a natureza da morte e do pós vida. O mito conta o estupro de Perséfone por Hades, descrevendo também a busca de sua mãe, Deméter, pela filha desaparecida. A história é contada em um longo poema chamado "Hino Homérico a Deméter", datado por volta do século VI a.C.. Em um belo dia, Perséfone, filha de Deméter, deusa da fertilidade, colhe flores acompanhada de seus amigos quando Hades, tenebroso regente do Submundo, emerge de uma fissura no chão em sua carruagem e rapta a moça para ser sua esposa. Deméter não tem ideia do que aconteceu com a filha e, abalada pelo medo e pela dor a ponto de não conseguir comer, faz uma busca incessante que dura por nove dias. Por fim o Sol, que tudo vê, conta-lhe o que aconteceu e que Zeus aprovara o estupro. Deméter viaja a Elêusis, onde as filhas do rei local a recebem com hostilidade e convencem-na a quebrar o jejum, e a ama das meninas a diverte com seu humor obsceno. Deméter ordena que um templo seja construído para si. Entretanto, sua ira em relação a Zeus é tanta que ela proíbe as colheitas de crescerem, causando um período de fome. Zeus então envia Hermes até Hades para negociar a devolução de Perséfone, e Hades concorda. Secretamente, porém, ele dá a moça sementes de romã para comer, assegurando-se de que ela então se torne parte da existência do Submundo e, portanto, seria obrigada a retornar. Embora Perséfone tenha a permissão de retornar a superfície, ocasião em que Deméter faz as colheitas crescerem novamente, inicia-se um ciclo anual no qual Perséfone deve retornar ao espoco em todo outono.

O mito reflete não só o mistério do crescimento sazonal, mas também a natureza da alma humana que passa por ciclos de sofrimento, alegria e perda. Sugere-se aqui a Reencarnação, embora não de forma explícita. Assim como nos Mistérios órficos, o iniciado recebe instruções sobre como escapar do ciclo e alcançar o êxtase absoluto. Elêusis significa "lugar de feliz chagada" e está relacionado aos Elíseos. Os antigos não duvidavam da eficácia dos Mistérios, considerados por Cícero o aspecto mais precioso da cultura grega. Afirmou com convicção: "Nos Mistérios percebemos o princípio real da vida e aprendemos não só a viver com alegria, mas a morrer com boa esperança".

Os Mistérios transformaram-se em ritos longos e elaborados. Eram compostos de duas partes: a primeira continha os Mistérios Menores eram compostos de uma primeira iniciação, ou telete, e uma iniciação final, epopteia, que só poderia ser feita um ano após a telete.

É possível que os Mistérios órficos tenham tido apelo restrito por causa do estrito modo de vida órfico. Os Mistérios de Elêusis, no entanto, parecem ter tido o caráter de reuniões sociais ou, literalmente, um tipo de férias. Os Mistérios Menores aconteciam próximo ao Rio Ilissos, e incluíam banhos de rio. Havia também sacrifícios e dança, e objetos sagrados eram escondidos em cestos para indicar sentidos ocultos que seriam revelados.




Mistérios Maiores de Deméter
Os Mistérios Maiores de Deméter tinham caráter mais elaborado e iniciavam-se com o transporte de objetos sagrados de Elêusis até o templo de Deméter, em Atenas. No segundo dia, um brado instigava os participantes a irem banhar-se no mar para se purificarem. O hábito peculiar de levar consigo pequenos leitões parece ter vindo da crença segundo a qual os porcos absorvem o mal, ideia recorrente ao Evangelho de Marcos, na história do suíno de Gadarene (Marcos 5, 1-13). No terceiro dia, ao que parece, aconteciam sacrifícios públicos em prol do bem-estar da cidade; do quarto dia, pouco se sabe. O quinto dia era dedicado à procissão a Elêusis, em que os participantes eram coroados com mirta. Novamente nos deparamos com Dionísio, agora denominado Baco, cuja estátua era carregada na procissão. Os participantes incitavam os gritos de "Baco! Baco!" e um espírito de fanfarra parecia avivar o grupo.

Em sua comédia Os Sapos, Aristófanes escreve o papel de um rapaz que adora espiar os seios de jovens mulheres cujas roupas haviam sido rasgadas em meio à farra da multidão. Conforme a procissão se aproximava de Elêusis, os grandes e os bons tinham de sofrer em silêncio ao passar por uma ponte em que homens cobertos com capuz reuniam-se para insultá-los, sem dúvida para deleite de todos. Assim que a procissão atingia o santuário, a dança e a música prosseguiam noite adentro para os que desejassem aproveitar mais.

No sexto dia, ao que parece, os participantes descansavam e faziam sacrifícios como preparação para a iniciação seguinte. Havia um período de jejum, embora não saibamos por quanto tempo, quebrado apenas ao cair da noite com a ingestão de uma mistura de água, cevada e poejo. Os participantes imitavam Deméter, que se recusa a interromper seu jejum com vinho, preferindo pedir essa mistura, o kykeon, para beber. O kykeon já evocou várias hipóteses. Será que a cevada era fermentada, ou será que o poejo tinha algum efeito alucinógeno? Fosse qual fosse o caso, os mystes tinham bastante tempo para dormir até que os efeitos passsassem, uma vez que naquele dia nada mais faziam, descansando durante o sétimo dia inteiro até a noite.

Finalmente terminava esse período de preparação. Nessa altura os participantes ganhavam roupas limpas para vestir, e eram coroados com fitas em sinal de consagração às duas deusas. Ao que parece, passava-se o resto da noite reencenando a procura de Deméter por sua filha, com os participantes segurando tochas para iluminar o caminho através da escuridão e gritando o nome Kore, que significava "donzela". A cada grito, o hierofante (sacerdote que os Mistérios) batia em um gongo para imitar o som do trovão. Conforme a noite passava, os participantes eram conduzidos por toda uma variedade de emoções que Deméter sentiria: pesar, raiva, desespero, esperança. Aristides, de Atenas, relata: "Dentro desse salão, os místicos experimentavam sensações de horror capazes de gelar o sangue, e sensações de alegria capazes de levar ao mais absoluto êxtase".




A Vida Emergindo da Morte
A totalidade dos fragmentos ainda existentes sobre essa parte da iniciação traz, de várias formas, o mesmo argumento: a intenção não era apresentar o conhecimento aos iniciados, mas conduzi-los para uma experiência capaz de fazê-los absorver a sabedoria contida em seu próprio ser. A noite era dramática para impressionar ao máximo os iniciados. O que, então, a experiência pretendia transmitir? Sem dúvida a resposta é: a experiência da morte. Um trecho de Plutarco coloca isso de forma absolutamente clara:


Assim, a morte e a iniciação correspondem-se; mesmo as palavras (teleutan e teleisthai) são correspondentes entre si, assim como as coisas. Inicialmente alguns caminhavam a esmo ou corriam com urgência em círculos, ou aventurando-se no escuro por ruas com destino incerto, ou sem saída; então, pouco antes do fim, há todo tipo de terrores, com arrepios, tremedeira, suor e espanto absoluto. Depois disso, o caminhante depara-se com uma estranha e maravilhosa luz, é recebido em campinas limpas e verdes, onde consegue discernir vozes gentis e danças coreografadas e, a majestade dos sons e visões sagrados. Aqui, a pessoa agora totalmente iniciada está livre, e caminha para a liberdade, juntando-se à folia.
Uma vez que os participantes tivessem passado por total experiência, estariam livres do medo. E mais: saberiam como agir no instante da morte física. O objetivo dos Mistérios de Elêusis parece ter sido, portanto, o mesmo dos Mistérios Órficos. Primeiramente, o celebrante aprende, nos Mistérios Menores, que a alma é prisioneira do corpo. Então os Mistérios Maiores oferecem a chave para o despertar da alma que dorme, libertando-a.

Conforme o dia passava, os iniciados ficavam cada vez mais exaustos e, portanto, bem mais impressionáveis. Nesse ponto, a assustadora escuridão era dissipada pela visão de uma luz brilhante na qual aparecia o hierofante. Ele mostrava à multidão uma espiga de milho, o presente de Deméter, gritando: "August Brimo deu à luz um filho sagrado, Brimos". Brimo significa forte, então tanto a mãe quanto o filho são poderosos. Os nomes ocultam a verdadeira identidade das Divindades: Brimo é Perséfone e Brimos é Dionísio. O pai é Hades. Qual o significado desse momento climático? Parece ser a revelação do segredo da vida emergindo da morte, no instante em que os iniciados vivenciam a alegria da vida eterna após uma noite passada na "morte em vida" da sofrida vida corpórea.

Os iniciados também experimentavam várias substâncias, como grãos, brotos e mel, em um tipo de comunhão sagrada. Embora saibamos que a experiência de iniciação incluía palavras faladas e também dramatizações, restam apenas alguns fragmentos da liturgia, espalhados em citações nos trabalhos de vários autores. Esse aspecto dos Mistérios irá, portanto, permanecer desconhecido para sempre. Apesar disso, estão registradas as últimas palavras da cerimônia: o hierofante pronunciava a fórmula misteriosa Knox Om Pax. Supõe-se que essas palavras derivem do egípcio, mas seu sentido é obscuro e tampouco é certo que os participantes entendiam o significado.

Todos os presentes eram então iniciados nos Mistérios Maiores conhecidos como teletai. Passariam um dia a mais em Elêusis recuperando-se e oferecendo sacrifícios aos ancestrais. Então voltariam para casa, não de maneira organizada, e sim como lhes aprouvesse. Nada mais se exigiria deles; provavelmente se considerava que a experiência era profunda o suficiente para mudar suas vidas para melhor. Idealmente, teriam alcançado a clareza de consciência da qual fala o Dalai Lama, bem como a percepção sobre a verdadeira natureza da vida humana e sua fagulha divina inerente.

Havia, entretanto, um nível final de iniciação, a epopteia, pela qual se poderia passar um ano depois. Parece ter tomado a forma de uma luz divina que revelava seres espirituais de todos os tipos, culminando com uma visão da rainha do Submundo, a própria Perséfone. Com efeito, os iniciados reproduziam a experiência de Orfeu ao encontrar os regentes da morte enquanto ainda estava vivo.




Nossa Verdade Oculta
Em sociedades tribais no mundo inteiro encontramos a figura do xamã, que, sozinho em sua tribo, é capaz de viajar ao mundo espiritual e dali a outros mundos. O grande mérito dos Mistérios órfico e eleusino foi tornar tal experiência acessível às pessoas comuns. O significado dos mistérios é profundo, pois asseguram ao iniciado uma eterna e extática vida após a morte. A compreensão da realidade da alma e de sua natureza eterna pode, no mínimo, fazer refletir sobre as dificuldades da vida diária. Os problemas físicos e emocionais começam a perder seu poder de dominar o iniciado; este percebe que a vida no corpo é temporária, e que nenhum sofrimento é capaz de afetar a alma. Tal percepção pode permitir o alvorecer de um sentido de liberdade e alegria. Alguns dos iniciados podem ter tido uma experiência mais profunda de sua própria fagulha divina interna, e decidiram devotar-se ao tipo de vida mística capaz de nutri-la.

Essa sabedoria oculta jamais foi perdida de fato, embora tenha permanecido na obscuridade por longos períodos de tempo. Afinal ela trata da verdade sobre a nossa natureza, hoje a mesma que era na Grécia antiga.